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Paulo Reis

A Second first impression de Diana Costa

A cor, para além da discussão entre lineares e pictóricos, exerceu grande  fascínio sobre os pintores das mais diferentes gerações, latitudes, histórias, origens, períodos. Podemos traçar uma linhagem de coloristas desde Ticiano a  Gauguin; desde Rubens a Matisse; desde Ingrès a Rohtko; desde Mondrian a Daniel Buren, e constataremos que desde o Renascimento até o Contemporâneo, a cor nunca abandonou a pintura, tornando-se mesmo questão em seu cerne. Espécie de busca pela essência da vida no cromatismo, os pintores ocuparam-se em criar intensos vermelhos, aurais amarelos ou frios azuis: a batalha sempre foi transformar cor em sentido.  Na modernidade, a combinação da cor com a abstração, como bem lembrou o crítico norte-americano Meyer Schapiro, levou à renúncia da representação. Com esta renúncia, porém, a arte abstrata tornou-se ainda mais intensa enquanto proposta de uma arte calcada em seu próprio tempo. Segundo o crítico, a arte abstrata possibilitou aos artistas utilizar recursos mais livres para relacionar-se com a natureza e com o homem, ampliando os meios, estimulando a percepção para confrontar-se com a emergência da modernidade.

Para as correntes construtivas do início do século XX, a abstração tornou-se desejo irrealizável de reconstruir um mundo, através de grelhas, malhas, quadrados, retângulos, preenchidos de cores primárias, pulsantes, guardando em sua gênese a simbiose entre ordem e caos. Este cânone pertenceu a Suprematitas, Neoplasticista e Bauhaus e também afetou a pintura Expressionista abstrata norte-americana, por exemplo, que propôs um desfiguramento do mundo, quando renuncia à figuração para ultrapassar os cânones cubistas. Ecos destas heranças modernas encontram ressonância, ainda na pintura realizada por artistas contemporâneos, pois nem mesmo o minimalismo conseguiu anular este cânone. O resultado é que a pintura praticada nos dias de hoje não segue a cartilha da renúncia à representação, mas mescla tais procedimentos, embaralha fundo e figura, evitando o linear, tornando a pintura puramente cor, mas também signo linguístico, espaço de citação, etc... 

Estes procedimentos podemos verificar na pintura de Diana Costa quando o eixo das suas pesquisas pictóricas está entre a (re)configuração das heranças da pintura abstrata com a figurativa. Suas obras poderiam ser lidas como campos de cor - à exemplo da abstração norte-americana - porém, não são estáticas, pois deflagram uma arritmia de cores que emergem do centro de pequenas figuras que ora lembram pétalas, ora faixas, ora geometrias, letras de alfabeto, números, sinalizações gráficas, uma panóplia de imagens tiradas do cotidiano. A sua pintura faz o olho prescrutar o espaço da tela, não se detendo em nenhuma parte, apenas como o intuito de construir na retina a imagem final, feita de pequenas particulas de cor que vão-se somando sobre a tela, num fluxo de continuidade para além do seu próprio espaço. A pintura da artista é sempre rítmica, sem sobressaltos, numa despudorada composição cuja densidade das imagens são justapostas sobre uma superfície única de cor, o fundo, mas que esta cor contamina as imagens na sua superfície, confundindo-nos.

Nesta exposição, intitulada Second first impression, Diana Costa expõe uma série de pinturas em tinta acrílica com procedimentos de colagens de diversos materiais, tais como a borracha, o papel e o meta-acrilato, garantindo um frescor sobre o metiér, abdicando do uso exclusivo do pincel. As obras, em médios formatos, recebem títulos como Recomenda-se um a três sorrisos por dia;
Passamos um pelo outro e eu levei / deixei uma parte; Pague um, leve dois e ame três;  Somos um capricho do sol no jardim do céu; Há dias em que os anjo têm sobras e caem;  Ninguém fala dos segredos, mas toda a gente os conhece; Uma viagem para o coração de nós mesmos e I’m not perfect.  Os títulos têm uma forte carga irônica, como a própria pintura que apresenta-se como um jogo de sedução, bricando com o neo-decorativismo oitentista – heranças da Pop, e a nova pintura inglesa dos anos noventa. Há na pintura de Diana Costa um arco-íris de heranças que começa em Eric Fischl e Sandro Chia e finaliza-se em Fiona Rae e Gary Hume, mas também dialoga hoje com as instalações-pinturas de Tobias Rehberger e Jorge Pardo. A sua pintura joga com vibração da cor confundindo-se entre espaço e representação. Mesmo que esteja interessado na representação pictórica, na superfície, na pele da tela, a artista sugere que isto é apenas imagem, e como tal necessita de uma Second first impression.

Paulo Reis
Lisboa, dezembro, 2006

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