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João Pinharanda

JÁ NINGUÉM ESCREVE / JÁ NINGUÉM LÊ

 

Já ninguém escreve a ninguém, já ninguém lê coisa alguma. E, no entanto…  Cada vez se escreve mais a mais pessoas; cada vez se lê mais correspondência de mais pessoas. Mas que pessoas? Destinatários sem rosto recebendo mensagens de emissores também sem rosto. Conhecidos em vez de Amigos, relações comerciais em vez de conhecidos… Talvez já possam até ser simples máquinas a gerar mais e mais informação para outras máquinas lerem, interpretarem e darem resposta. Ou as pessoas, como máquinas, debitando dados sobre dados, respondendo sem alma a estímulos mecânicos.
É, no entanto… Alguns resistem, continuam a escrever postais, cartões, cartas: convencionais cartas de parabéns ou de luto, lindas cartas de amor, entusiasmadas descrições de paisagens… Alguns, mantêm a fidelidade da caneta correndo sobre o papel. Ou transferem para o ecrã a energia desses textos e a imaginação do manuscrito.  O mundo ainda é infinito e as suas possibilidades; ainda não é agora que a poesia ou a arte, a raiva ou o amor vão acabar…

A pintura de Diana Costa mantém-nos numa dúvida permanente. O que é? De onde vem? Para onde vai? Sendo fácil, oferece-nos uma mensagem de decifração complexa. Há nela uma alegria (de cor, de forma, de gesto) que a fragmentação dos elementos parece contariar. Há nela uma simplicidade que a sobreposição de elementos parece negar. Há nela uma memória, feita de histórias de outras pinturas e de histórias das vidas que passam, que parece justificar esse território de contradições: alegria e tristeza; simplicidade e complexidade.
A veloz sucessão de imagens que Diana Costa gera recorda-nos o excesso em que vivemos mas também o excesso que nunca chegamos a viver. Ao evocar o arcaísmo convencional das caixas de correio individuais, ao cruzar a informação dessa imagem com a da escrita, ao sobrepôr a memória do correio convencional (originalmente anunciado por um pregão nas praças da aldeias) com a actualidade dos avisos virtuais de correio electrónico, a pintora quer talvez dizer-nos de onde vem, deseja certamente dizer-nos para onde vamos; mas julgo que nunca quererá dizer aquilo que é, nem poderá nunca dizer-nos aquilo que sabe.

 

Há um segredo em cada pintura, como há um segredo em qualquer mensagem: um segredo que nunca poderá ser desvendado; mas que pode ser compreendido como segredo, aberto a todas as interpretações sem nunca se abrir. Cada vez mais imagens se escondem por debaixo de cada vez mais imagens: mensagens sob/sobre mensagens até ao infinito. Diana Costa entende bem o que isto quer dizer: as suas pinturas abrem-se e fecham-se interminavelmente umas dentro das outras, en vertigem e sem solução – como as histórias numa carta se encadeiam sem fim. De onde vem a mensagem? Para onde vai a mensagem? O que diz a mensagem? Desvenda apenas a sua qualidade: message, mail, you have mail, e-mail, etc. É tudo quanto lhe podemos pedir. O resto está nas cores, nas formas, nas texturas, nos materiais, escondido nas memórias de cada um. Haverá quem se disponha ainda a ver/ler tudo isto?



João Lima Pinharanda
Lisboa, Dezembro 2007

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