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Ana Luísa Barão

«Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto
[…]»
António Gedeão


Eu-Corpo
A busca da nossa identidade desenvolve-se no palco das emoções cuja cenografia se revela
num jogo dicotómico entre consciência e emoção, cérebro e coração. Não são só os desenhos
e as pinturas que o denunciam, é a própria Diana Costa quem o afirma quando diz: «A arte que
me interessa é aquela que nos faz circular entre várias dimensões».
Estas dimensões - a da emoção e a da consciência, e a da sua própria relação e identidade - são
sugeridas e desenvolvidas através da citação frequente de um modo de desenhar sintetizado,
onde a abreviatura não anula de modo algum o significado alusivo e cujo denominador comum
é sempre a metáfora da circulação, seja ela física e anatomicamente identificável, seja ela
mental e graficamente insinuada.
Os sinais tornam-se reconhecíveis e a investigação de Diana incide sobre eles mesmos.
As formas simbólicas - coração e cérebro -, por um lado, porque não são as da anatomia, mas a
síntese encontrada pela autora para a elas se referir, constituem a base de reflexão das séries
apresentadas nesta exposição. Por outro lado, outra simbolologia surge - a da identidade física
e mental, que plasticamente, e neste modo de desenho, se consubstancia no contorno do
perfil facial, no gráfico do batimento cardíaco, na impressão digital da autora, ou nos
materiais, nomeadamente nos antigos papéis de embrulho que, retirados de um universo
familiar, foram, com uma intenção puramente decorativa e pela carga emocional, propositada
e estrategicamente colados sobre os diversos suportes.
A própria ideia de projecto e arquitectura identitária é indicada, se quisermos, de dois modos.
De um lado, a configuração da imagem-coração ou da forma-perfil através da ligação de
pontos e rectas que surge em alguns dos desenhos. A identificação dos sujeitos representados
e feita ludicamente, à semelhança dos jogos infantis; por outro, o próprio conceito de
construção poderá entrever-se na técnica da colagem, que sobrepondo papel a papel,
transparências e diferentes materiais, parece querer denunciar essa mesma investigação.
Aliás, o recurso à colagem de elementos heterogéneos sublinha outro princípio presente
nalguns dos trabalhos de Diana Costa - uma noção de espaço plano e contínuo, quase sempre
realçado pela aparente continuidade das formas e linhas, apenas interrompidas pelo carácter
limitativo do próprio suporte. Na série de desenhos onde, em tom de síntese última, se
sobrepõem todas as formas simbólicas - os vários cortes anatómicos do coração, o perfil, os
canais de comunicação coração-cérebro - assumindo cada um delas, em termos de
diferenciação, uma cor, mesmo aí, onde a justaposição poderia criar uma enganadora ideia de
profundidade, a geometria plana do desenho sobressai.
Estes desenhos e pinturas encerram laboratorialmente os limites de uma interpretação do
emocional cujo campo primeiro de acção é, pois, o eu-corpo. O conhecimento e exploração
daquela geografia permitirá o acesso também ao outro-corpo.


Ana Luísa Barão
Dezembro 2001

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